Um ano da tragédia na BR-116: investigação aponta negligência e réus aguardam júri popular

  • 21/12/2025
(Foto: Reprodução)
Ônibus pegou fogo após colidir contra carreta Corpo de Bombeiros MG/Divulgação Há exatamente um ano, no dia 21 dezembro de 2024, um acidente envolvendo três veículos transformou a BR-116 na rodovia mais letal do país. E neste marco simbólico, o g1 Vales revisitou as apurações feitas ao longo desses 365 dias para saber os desdobramentos e o que ainda é esperado após a tragédia que matou 39 pessoas e chegou a colocar a cidade mineira de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, no ranking das mais violentas do país. Era madrugada de sábado quando uma carreta carregada com blocos de granito, um ônibus de passageiros e um carro de passeio colidiram. Ao todo, 39 pessoas morreram e 11 ficaram feridas. O ônibus, da empresa EMTRAM, saiu de São Paulo e seguia para Elísio Medrado, cidade baiana a 230 km de Salvador, quando se envolveu no acidente no km 285 da BR-116, no distrito de Lajinha, em Teófilo Otoni. Em uma curva, um dos blocos de granito transportados por uma carreta que seguia no sentido contrário se desprendeu e atingiu o coletivo, que pegou fogo após o impacto. Um carro de passeio que vinha atrás do caminhão também colidiu com os veículos. Exclusivo: vídeos reconstituem acidente que matou 39 pessoas em Minas As investigações apontaram que o acidente não foi resultado de um único fator. Laudos, depoimentos e apurações da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Civil indicaram uma combinação de falhas, que envolveram desde as condições do transporte de carga até a conduta do motorista da carreta e aspectos da fiscalização e da infraestrutura da rodovia. O caso passou a ser tratado pelas autoridades como um exemplo de problemas recorrentes na segurança viária em rodovias federais. Um ano depois: o legado da negligência Fragmentos de um quadro que seria entregue como presente de Natal por um dos passageiros Jerry Santos/Inter TV dos Vales A tragédia, considerada a maior em rodovias federais desde 2007, desencadeou uma investigação minuciosa que revelou uma cadeia de irregularidades. O episódio deixou de ser visto como um acidente e passou a ser enquadrado como crime, com foco na tese de dolo eventual, ou seja, quando o agente assume o risco de provocar mortes. O impacto jurídico foi imediato. O Ministério Público de Minas Gerais denunciou o motorista da carreta e o dono da transportadora por homicídio qualificado. A Justiça aceitou a denúncia e determinou que ambos fossem julgados pelo Tribunal do Júri, marcando um precedente para casos de negligência grave no transporte rodoviário. As apurações revelaram um conjunto de fatores que, somados, criaram as condições para a tragédia. A carreta transportava dois blocos de quartzito com peso total de 91,2 toneladas, quase o dobro do permitido pela legislação. Há registros técnicos que indicam cenário de até 103 toneladas, configurando 77% de sobrepeso. O veículo trafegava a 90 km/h em trecho com limite de 80 km/h e chegou a atingir 132 km/h em outro ponto da viagem. O motorista, Arilton Bastos Alves, estava com a CNH suspensa desde 2022 e dirigia sob efeito de cocaína, ecstasy, álcool e outras substâncias, conforme exames toxicológicos. Após o acidente, ele fugiu e só se apresentou dois dias depois. Responsabilização criminal O Ministério Público denunciou Arilton Bastos Alves, motorista da carreta, e Hudson Foca, dono da transportadora, por homicídio qualificado com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. A acusação sustentou que o empresário inseriu, ou ordenou a inserção de dados falsos no Manifesto de Carga para burlar a fiscalização e autorizou o transporte com excesso de peso. Segundo a denúncia, os crimes foram praticados “com recurso que dificultou a defesa das vítimas e mediante meio que resultou perigo comum”, pois o conjunto veicular irregular trafegava em período de grande movimento, próximo às festas de fim de ano. O MP também apontou modificações estruturais não autorizadas no semirreboque e falhas nos sistemas de amarração dos blocos, além de pneus desgastados, fatores que agravaram o risco de tombamento. Justiça aceita denúncia de homicídio MP denuncia motorista de carreta e dono de empresa por acidente na BR-116 Em março de 2025, a Justiça aceitou a denúncia e determinou que motorista e dono de transportadora deveriam ser julgados pelo Tribunal do Júri. A audiência de instrução começou em junho, com depoimentos de sobreviventes e testemunhas. O Ministério Público requereu a manutenção da prisão preventiva de Arilton, alegando que não houve alteração do quadro fático que justifique a revisão da medida. Também pediu a fixação de valor mínimo de indenização às famílias das vítimas e a juntada de provas técnicas, como o vídeo da reprodução simulada dos fatos. Segundo o MP, a decisão reforçou a tese de que a negligência corporativa e a violação das leis de trânsito podem ser tratadas como homicídio intencional, estabelecendo um marco jurídico para casos semelhantes. Até a última sexta-feira (19), não houve atualização pública sobre novos depoimentos ou decisão de pronúncia. O processo segue em fase de instrução na 1ª Vara Criminal de Teófilo Otoni. Na esfera trabalhista, a Justiça condenou a EMTRAM a pagar R$ 570 mil aos familiares do motorista do ônibus, reconhecendo a responsabilidade objetiva da empresa. O drama humano e as consequências O acidente deixou 39 mortos e 11 feridos. Entre as vítimas estava uma criança de um ano, além de famílias que viajavam para passar as festas de fim de ano. Histórias como a do motorista do ônibus que assumiu a viagem para ajudar um colega e a de passageiros que planejavam reencontros após anos longe da família, marcaram a dimensão da perda. Motorista caratinguense do ônibus do acidente na BR-116 não estava escalado para trabalhar, segundo família Pais de vítimas de acidente na BR-116 relatam dor e choque: 'esperávamos uma notícia boa, mas veio essa ruim' Professora vítima de acidente em MG passaria festas de fim de ano com a família na BA: 'ainda sem acreditar', diz cunhada Sobrevivente de acidente na BR-116 relata troca de ônibus antes da tragédia Identificação das vítimas Corpos de vítimas de acidente que matou 38 pessoas chegam ao IML em BH Lucas Franco/TV Globo A identificação dos corpos foi um desafio para as autoridades. Devido à carbonização, 41 sacos com restos mortais chegaram ao IML de Belo Horizonte. A força-tarefa só concluiu os exames em janeiro de 2025, para chegar ao número de 39 vítimas. Elas foram identificadas por exames de DNA (22), papiloscopia (13) e odontologia legal (4). Infraestrutura e riscos persistentes Radar de fiscalização eletrônica de 60 km/h reinstalado a cerca de 500 metros antes do ponto do acidente Jerry Santos/Inter TV dos Vales O trecho do acidente não contava com o radar que limitava a velocidade a 60 km/h, removido meses antes da tragédia por vencimento de contrato, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O órgão informou que o contrato anterior de controle de velocidade foi encerrado por término da vigência e que novos equipamentos seriam instalados apenas em 2025 por uma nova empresa. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) confirmou a ausência do equipamento e destacou que o radar funcionava no local há muitos anos. Segundo a corporação, a retirada aumentou os riscos de acidentes em um trecho considerado crítico, com descida íngreme e curva acentuada. Carreta com bois tomba em trecho da BR-116 em Teófilo Otoni onde 39 morreram em 2024 Em agosto de 2025, as mesmas câmeras que registraram o acidente com o ônibus, flagraram outro tombamento de carreta, desta vez, carregada de bois (veja o vídeo acima). A PRF voltou a cobrar do DNIT a reativação dos radares e lançou a Operação Desacelera, que flagrou novas irregularidades durante as abordagens na rodovia, incluindo excesso de peso e blocos soltos. Em junho, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) aprovou a concessão das BRs-116 e 251, com R$ 12,4 bilhões em investimentos para duplicações, postos de pesagem e obras de contorno viário. Mas foi somente em dezembro, na última quinta-feira (18), que a Agência publicou o edital de concessão do sistema rodoviário, denominado Rotas Gerais. O leilão está previsto para 31 de março de 2026, com expectativa de assinatura do contrato até 17 de julho do mesmo ano. Ainda segundo a Agência, a implantação operacional de novos postos de pesagem veicular só deverá ocorrer em meados de 2028, já que existe o prazo de até 24 meses para isso ser executado, após a concessionária assumir o trecho. A fiscalização da amarração de cargas continuará sob responsabilidade da Polícia Rodoviária Federal, enquanto possíveis fraudes documentais, como inserção de dados falsos no Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e), seguem sob a competência das Secretarias de Fazenda. O edital também prevê obras de duplicação entre o 3º e o 10º ano da concessão, adequação de acostamentos e reforço da sinalização. O Contorno Viário de Teófilo Otoni tem entrega prevista até o 9º ano do contrato. O cronograma completo está disponível no site da ANTT. O impacto: Teófilo Otoni entre as cidades mais violentas do país Por ter sido enquadrado como homicídio doloso, o acidente com 39 mortes elevou a taxa de mortes violentas em Teófilo Otoni. A cidade apresentou um resultado de 58,2 homicídios por 100 mil habitantes, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O governo estadual contestou a inclusão, afirmando que, sem o acidente, a taxa seria de 29,84 por 100 mil. Linha do tempo 2022 O motorista da carreta, Arilton Bastos Alves, perde o direito de dirigir (CNH suspensa) após se recusar a fazer o teste do bafômetro em uma blitz da Lei Seca em Mantena, no Vale do Rio Doce. 2024 20 de dezembro (sexta-feira) Partida do ônibus: Às 7h da manhã, o ônibus da empresa Emtram, com 44 passageiros e o motorista sai do Terminal Tietê, em São Paulo, com destino a Elísio Medrado, na Bahia. Troca de ônibus: O ônibus original é substituído em Paraíba do Sul (RJ) devido a um problema técnico na vedação da tampa do assoalho, que causava a entrada de ar quente e desconforto aos passageiros. 21 de dezembro (sábado): Acidente na BR-116 (km 285): Colisão na comunidade de Lajinha, distrito de Teófilo Otoni, envolvendo o ônibus da Emtram, uma carreta carregada com blocos de granito e um carro de passeio. Resgate e vítimas iniciais: O acidente é classificado como a maior tragédia em rodovias federais desde 2007. Inicialmente, o número de mortos é reportado como 38. Treze feridos são levados a hospitais e UPA de Teófilo Otoni, mas dois morrem posteriormente. A maior parte das mortes foi causada pelo incêndio. Causa preliminar: Informações preliminares da PRF e vestígios no local indicam que um grande bloco de granito se soltou da carreta e atingiu o ônibus em sentido contrário, provocando o incêndio. O motorista da carreta foge do local. Liberação da pista: Durante o fim da manhã, a pista, que ficou totalmente interditada por cerca de 6 horas, é liberada em esquema de "pare e siga". Logística dos corpos: A Polícia Civil de MG decide que todos os corpos seriam levados para o IML de Belo Horizonte para perícia e identificação, devido à falta de estrutura em Teófilo Otoni. O número de mortos é elevado para 41, conforme a Polícia Civil. 22 de dezembro (domingo): Chegada dos corpos ao IML-BH: 41 cadáveres chegam ao Instituto Médico Legal de Belo Horizonte durante a madrugada. Início da força-tarefa: É montada uma força-tarefa no IML de BH e na Academia de Polícia para coletar material genético dos familiares para a identificação dos corpos carbonizados. O Governo da Bahia decreta luto oficial de dois dias e oferece apoio do DPT-BA. Primeiras identificações: 12 corpos são identificados, sendo dois deles liberados aos familiares. 23 de dezembro (segunda-feira): Motorista da carreta se apresenta: Arilton Bastos Alves, o motorista da carreta, se apresenta espontaneamente na delegacia de Teófilo Otoni. Ele é ouvido e liberado. A Justiça nega o pedido de prisão preventiva por não haver mais flagrante. Irregularidades do motorista: A polícia confirma que Arilton estava com a CNH suspensa há dois anos e era considerado foragido. Material biológico é coletado para exames toxicológicos. Remoção da carga: A pedra de granito, inicialmente no meio da pista, é totalmente removida da BR-116 e transportada para pesagem. A Polícia Civil constatou preliminarmente que houve excesso de peso no transporte. Sobreviventes recebem alta: Dois sobreviventes do ônibus recebem alta hospitalar. 24 de dezembro (terça-feira): Testemunha depõe: O caminhoneiro cujo caminhão foi atingido de raspão, depõe à PRF, afirmando que a carreta invadiu a contramão e estava em alta velocidade, e que não ouviu pneu de ônibus estourar. 25 de dezembro (quarta-feira): Início dos sepultamentos: Famílias começam a enterrar os corpos identificados; 15 corpos foram identificados e 14 liberados até este momento. 26 de dezembro (quinta-feira): Perícia robusta: A Polícia Civil anuncia o uso de um scanner 3D para reconstruir o local do acidente. 16 corpos foram identificados, 14 liberados. 2025 05 de janeiro: Identificação parcial: 37 dos 41 corpos são identificados, e 36 são liberados pelo IML. 10 de janeiro: Identificações concluídas: A Polícia Civil encerra a identificação dos 39 corpos (confirmado o número final de vítimas, após a perícia dos 41 sacos com restos mortais). 21 de janeiro: Prisão preventiva decretada: O motorista Arilton Bastos Alves é preso preventivamente no Espírito Santo. 22 de janeiro: Divulgação dos exames: A Polícia Civil confirma oficialmente que a carreta transportava 91,2 toneladas (quase o dobro do permitido). 06 de fevereiro: Audiência pública: É apresentada uma proposta da ANTT para a concessão da BR-116/251 (Governador Valadares à divisa com a Bahia) para investimentos de R$ 12,4 bilhões, incluindo duplicação e instalação de postos de pesagem para fiscalização de cargas. 26 de fevereiro: Conclusão do inquérito policial: A Polícia Civil conclui o inquérito e indicia o motorista Arilton Bastos Alves e o dono da empresa responsável pela carga. 10 de março: Denúncia do Ministério Público: O MPMG oferece denúncia contra Arilton Bastos Alves e o dono da empresa por homicídio qualificado das 39 pessoas e tentativa de homicídio contra 11 sobreviventes, alegando dolo eventual (assumir o risco de matar). 21 de março: Réus formais: A Justiça aceita a denúncia, tornando Arilton Bastos Alves e Hudson Foca réus e definindo que ambos serão levados a Júri Popular. 28 de abril: Condenação da Emtram: A Justiça do Trabalho em MG condena a empresa de ônibus Emtram a pagar R$ 570 mil em indenizações aos familiares do motorista do ônibus (vítima fatal). 05 de junho: Aprovação da concessão: A ANTT aprova a concessão das BRs-251 e 116 em Minas Gerais, confirmando o investimento de R$ 12,4 bilhões para melhorias e instalação de postos de pesagem para fiscalização de cargas. 25 de junho: Audiências de instrução: Início da audiência de instrução e julgamento no Fórum de Teófilo Otoni, com depoimentos de testemunhas e vítimas sobreviventes, mas os réus ainda não são ouvidos. A prisão preventiva de Arilton é mantida. Novas audiências são remarcadas. Vídeos do Leste e Nordeste de Minas Gerais O Sindcomércio representa o comércio varejista, atacadista e de serviços em toda a região. As convenções coletivas podem ser acessadas no site o, com atendimento também pelo WhatsApp (27) 97152-4825. Veja outras notícias da região em g1 Vales de Minas Gerais.

FONTE: https://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2025/12/21/um-ano-da-tragedia-na-br-116-investigacao-aponta-negligencia-e-reus-aguardam-juri-popular.ghtml


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